Febre Maculosa

FEBRE MACULOSA BRASILEIRA

Referência Técnica Estadual: Maxwell Marchito de Freitas 

Nota Técnica - SESA/NEVE 

Assunto: Agente etiológico, vetores e reservatórios, modo de transmissão, manifestação clínica, diagnóstico e tratamento.  

Agente etiológico

  1. rickettsii, bactéria gram-negativa intracelular obrigatória.

 

Vetores e reservatórios

No Brasil, os principais vetores e reservatórios são os carrapatos do gênero Amblyomma, tais como A. cajennense, A. cooperi (dubitatum) e A. aureolatum. Entretanto, potencialmente, qualquer espécie de carrapato pode ser reservatório, por exemplo, o carrapato do cão, Rhipicephalus sanguineus.

Os equídeos, roedores como a capivara (Hydrochaeris hydrochaeris), marsupiais como o gambá (Didelphys sp) e o cão têm importante participação no ciclo de transmissão da febre maculosa. Porém, não há estudos suficientes que comprovem o envolvimento destes animais como reservatórios ou amplificadores de riquétsias, assim como transportadores de carrapatos potencialmente infectados.

Modo de transmissão

Nos humanos, a febre maculosa brasileira (FMB) é adquirida pela picada do carrapato infectado com riquétsia, e a transmissão geralmente ocorre quando o artrópode permanece aderido ao hospedeiro por um período de 4 a 6 horas.

Nos carrapatos, a perpetuação das riquétsias é possibilitada por meio da transmissão vertical (transovariana), da transmissão estádio-estádio (transestadial) ou da transmissão através da cópula, além da possibilidade de alimentação simultânea de carrapatos infectados com não infectados em animais com suficiente riquetsemia. Os carrapatos permanecem infectados durante toda a vida, em geral de 18 a 36 meses.

Manifestações clínicas:

Por ser uma doença sistêmica, a febre maculosa pode apresentar-    se com um quadro clínico variável, indo desde uma forma atípica a um  quadro clássico com exantema. De início geralmente abrupto, os sintomas podem ser inespecíficos(febre alta; cefaleia; mialgia intensa; mal-estar generalizado; náuseas; vômitos e dor abdominal).

Por se tratar de uma doença pertencente ao grupo das febris-hemorrágicas, é de suma importância, o histórico epidemiológico, pois de posse dessas informações, o tratamento deverá ser iniciado imediatamente, evitando assim, os prováveis óbitos.

Em geral, entre o terceiro e o sexto dia da doença surge o exantema máculo-papular, de evolução centrípeta com predomínio nos membros superiores e inferiores, iniciando-se em região palmar e plantar.

Embora seja o sinal clínico mais importante, o exantema pode estar ausente, o que pode dificultar e/ou retardar o diagnóstico e o tratamento, determinando uma maior letalidade.

Nos casos graves, o exantema vai se transformando em petequial e, depois, em hemorrágico, constituído principalmente por equimoses ou sufusões.

No paciente não tratado, as equimoses tendem à confluência, podendo evoluir para necrose, principalmente em extremidades(mãos, pés, lóbulo de orelha e nariz) .

Nos casos graves, é comum a presença de:

Edema de membros inferiores, hepatoesplenomegalia, diarréia, dor abdominal, oligúria, insuficiência    renal aguda, náusea, vômito,  tosse, edema pulmonar, pneumonia intersticial, derrame pleural, déficit neurológico, meningite e/ou meningoencefalite com líquor claro, petéquias e sangramento muco-cutâneo, digestivo e pulmonar.

Se não tratado, o paciente pode evoluir para um estágio de torpor e confusão mental, com frequentes alterações psicomotoras, chegando ao coma profundo. Icterícia e convulsões podem ocorrer em fase mais avançada da doença. Nesta forma, a letalidade, quando não ocorre o tratamento, pode chegar a 80%.

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico precoce é muito difícil, principalmente durante os primeiros dias de doença, quando as manifestações clínicas também podem sugerir: leptospirose, dengue, hepatite viral, salmonelose, encefalite, malária, pneumonia por Mycoplasma pneumoniae.

Com o surgimento do exantema, os diagnósticos diferenciais são: meningococcemia, sepse por estafilococos e por gram negativos, viroses exantemáticas (enteroviroses, mononucleose infecciosa, rubéola, sarampo), outras riquetsioses do grupo do tifo, erliquiose, borrelioses (doença de Lyme), febre purpúrica brasileira, farmacodermia, doenças reumatológicas como lupus, entre outras. 

Embora o exantema seja um importante e fundamental achado clínico, sua presença não deve ser considerada a única condição para fortalecer a suspeita diagnóstica(investigar situações de risco).

 Diagnóstico laboratorial

 Exames inespecíficos

Hemograma – a anemia e a plaquetopenia são achados comuns e auxiliam na suspeita diagnóstica. Os leucócitos podem apresentar desvio à esquerda.

Enzimas – creatinoquinase (CK), desidrogenase lática (LDH), aminotransferases (ALT/TGP e AST/TGO) e bilirrubinas (BT) estão geralmente aumentadas.

Exames específicos

Métodos imunológicos:

Reação de imunofluorescência indireta (RIFI): é o método sorológico mais utilizado para o esclarecimento diagnóstico das riquetsioses, sendo considerado padrão ouro, e o mais disponível na rotina laboratorial.  A RIFI é uma reação de alta sensibilidade e especificidade e que pode ser utilizada para identificar e quantificar imunoglobulinas específicas da classe IgM  e da classe IgG, podendo também ser utilizada para detectar riquétsias em tecidos infectados. Em geral, os anticorpos são detectados a partir do 7o ao 10o dia de doença. Os anticorpos IgM podem apresentar reação cruzada com outras doenças (dengue, leptospirose, entre outras) e, portanto, devem ser analisados com critério. Já os anticorpos do tipo IgG aparecem pouco tempo depois dos IgM e são os mais específicos e indicados para interpretação diagnóstica.

O diagnóstico laboratorial por RIFI é estabelecido pelo aparecimento de anticorpos específicos no soro de pacientes, que com a evolução da doença aumentam em título. Para tanto, é necessário que a 1ª amostra de soro seja coletada nos primeiros dias da doença (fase aguda) e a 2ª amostra de 14 a 21 dias após a coleta da 1ª amostra. A presença de um aumento de 4 vezes nos títulos de anticorpos, observado em amostras pareadas de soro, são os requisitos para confirmação diagnóstica pela sorologia. O processamento das mesmas deve ser preferencialmente, pareado, ou seja, nas mesmas condições e analisadas pelo mesmo operador.

É pertinente lembrar que o resultado deve ser interpretado dentro de um contexto clínico e epidemiológico. Assim, diante de um resultado sorológico reagente pela RIFI, em indivíduo que não apresente quadro clínico sugestivo, não se confirma febre maculosa, pela possibilidade de reação cruzada com outras enfermidades ou com riquétsias não patogênicas do grupo da febre maculosa.

As amostras para sorologia devem ser encaminhadas ao Laboratório de Referência preconizado, acondicionadas em isopor com gelo comum ou gelo seco. Os tubos devem estar devidamente identificados (nome do paciente, tipo de amostra, data da coleta do material). A ficha com informações clínico-epidemiológicas correspondentes ao paciente devem sempre acompanhar a amostra.

Veja exemplos de interpretação de resultados de RIFI para Riquétsias do grupo febre maculosa em duas amostras de soro. 1ª amostra colhida no início dos sintomas e 2ª de 14 a 21 dias após a 1ª coleta.

Exemplos de interpretação de resultados de RIFI para riquétsias do grupo febre maculosa em duas amostras de soro:

Primeira amostra A Segunda amostra B Interpretação e comentário
Não reagente Não reagente Descartado
Não reagente 64 Verificar possibilidade de surgimento/aumento tardio de anticorpos C
Não reagente 128 Confirmado
64 64 Verificar possibilidade de surgimento/aumento tardio de anticorpos C
128 256 Verificar possibilidade de surgimento/aumento tardio de anticorpos C
128 516 Confirmado
256 516 Verificar possibilidade de surgimento/aumento tardio de anticorpos C
256 1.024 Confirmado

A Primeira amostra colhida no início dos sintomas. Para esclarecimento de resultados inconclusivos, a técnica molecular (PCR) deve ser utilizada na primeira amostra.

B  Segunda amostra de 14 a 21 dias após a primeira coleta.

C Diante da possibilidade de retardo na cinética de anticorpos, eventualmente, o surgimento da soroconversão pode ocorrer mais tardiamente. Assim, diante de um caso clínico-epidemiológico compatível, recomenda-se fortemente que uma terceira amostra seja coletada 14 dias após a segunda. Esta recomendação deve ser reforçada, por exemplo, diante de um paciente cujo tratamento com antibioticoterapia específica foi instituída precocemente.

*Para esclarecimento de resultados inconclusivos, a técnica molecular (PCR) deve ser utilizada na primeira amostra.

** Diante da possibilidade de retardo na cinética de anticorpos, eventualmente, o surgimento da soroconversão pode ocorrer mais tardiamente. Assim, diante de um caso clínico-epidemiológico compatível, recomenda-se fortemente, que uma 3a amostra seja coletada, 14 dias após a segunda. Esta recomendação deve ser reforçada, por exemplo, diante de um paciente, cujo tratamento com antibioticoterapia específica foi instituída precocemente. 

Pesquisa direta da Riquétsia

Imunohistoquímica – realizada em amostras de tecidos obtidas em biópsia de lesões de pele de pacientes infectados, em especial os graves, ou em material de necropsia, como fragmentos de pulmão, fígado, baço, coração, músculos e cérebro. A imunohistoquímica em lesões vasculíticas de pele é considerada como o método mais sensível para a confirmação de febre maculosa na face inicial da doença.

Técnicas de biologia molecular – reação em cadeia de polimerase (PCR), realizada em amostras de sangue, coágulos formados após centrifugação do sangue coletado, tecido de biópsia ou necropsia. Apesar de ser um método rápido, não possui um padrão específico, e a sensibilidade e a especificidade diagnóstica podem variar entre os testes. As técnicas de biologia molecular possibilitam melhor e mais adequada caracterização dos dois grupos de riquétsias: o grupo febre maculosa, no qual estão incluídasR. rickettsiiR. parkeriR. africae, complexo R. conorii, entre outros; e o grupo do tifo (GT), constituído por R. prowazekii R. typhi.

O volume de sangue necessário é de, no mínimo, 1,0ml, podendo ser encaminhado em tubos contendo EDTA ou o coágulo, levando em consideração, no entanto, o risco de contaminação do material, durante o seu manuseio, para a separação de soro, fato que poderá interferir na amplificação genômica. Os espécimes coletados devem ser acondicionados e transportados em frascos estéreis, sob refrigeração (de 4 a 8ºC), se encaminhados dentro de um período de 24 horas. Caso o período de transporte ultrapasse às 24 horas, as amostras deverão ser encaminhadas, preferencialmente, à temperatura de -70ºC ou em gelo seco, podendo ser aceitas amostras conservadas a -20ºC.

Amostras de pele ou de pulmão, obtidas por biópsia ou necropsia, devem ser acondicionadas em frasco com meio BHI (Brain Hearth Infusion) (infusão cérebro-coração). Em relação aos fragmentos de tecido, mais especificamente, os fragmentos de biópsia de pele, o material deve conter a lesão vasculítica, pois a sua não inclusão poderá determinar um resultado falso negativo. O transporte para processamento imediato deverá ser em isopor, com gelo comum. Situações em que o encaminhamento não ocorra de imediato (até 24 horas), o material deverá ser armazenado a -70°C ou em nitrogênio líquido.

A eficiência do diagnóstico molecular depende do tipo de espécimes clínicos encaminhados e do seu período de coleta. Amostras de sangue ou de fragmento de biópsia de pele coletadas após o uso de antibioticoterapia por mais de 24 horas, a seleção inadequada da área da lesão da pele ou da secção de fragmento de tecido de necropsia, assim como a disponibilidade apenas de material fixado em formol ou em parafina, podem reduzir a sensibilidade da técnica de PCR. A obtenção das amostras deve ser, preferencialmente, nos primeiros 5 dias de doença e, impreterivelmente, antes do início do tratamento antimicrobiano específico.

Isolamento

A cultura com isolamento da riquetsia é o método diagnóstico ideal. Esse procedimento deve ser realizado sob condições de biossegurança NB3. O isolamento do agente etiológico é feito a partir do sangue (coágulo) ou de fragmentos de tecidos (pele e pulmão obtidos por biópsia) ou de órgãos (pulmão, baço, fígado obtidos por necrópsia), além do próprio carrapato retirado do paciente. As amostras de tecido deverão ser imersas, preferencialmente, em infusão BHI e encaminhadas ao laboratório em baixas temperaturas, em recipiente estéril. Na impossibilidade de BHI, o material poderá ser acondicionado em solução fisiológica estéril. Em relação ao vetor coletado, o mesmo deverá ser acondicionado em frasco com propiletílico e encaminhado ao laboratório de referência para ixodideos.

As amostras para isolamento devem ser conservadas em freezer -70ºC e transportadas em balão de nitrogênio líquido. Os frascos/recipientes devem estar devidamente identificados (nome do paciente, tipo de amostra, data da coleta do material). A ficha com informações clínico-epidemiológicas correspondentes ao paciente devem sempre acompanhar a amostra.

Tratamento

O sucesso do tratamento, com consequente redução da letalidade potencialmente associada à FMB, está diretamente relacionado à precocidade de sua introdução e à especificidade do antimicrobiano prescrito. Atualmente, as evidências clínicas, microbiológicas e epidemiológicas estabelecem que a doxiciclina é o antimicrobiano de escolha para terapêutica de todos os casos suspeitos de infecção pela Rickettsia rickettsii e de outras riquetsioses, independentemente da faixa etária e da gravidade da doença. Na impossibilidade de utilização da doxiciclina, oral ou injetável, preconiza-se o cloranfenicol como droga alternativa.

A partir da suspeita de febre maculosa, a terapêutica com antibióticos deve ser iniciada imediatamente, não se devendo esperar a confirmação laboratorial do caso. Em geral, quando a terapêutica apropriada é iniciada nos primeiros 5 dias da doença, a febre tende a desaparecer entre 24 e 72 horas após o início da terapia e a evolução tende a ser benigna. A terapêutica é empregada rotineiramente por um período de 7 dias, devendo ser mantida por 3 dias, após o término da febre.

 

Não é recomendada a antibioticoterapia profilática para indivíduos assintomáticos que tenham sido recentemente picados por carrapatos, uma vez que dados da literatura apontam que tal conduta poderia, dentre outras consequências, prolongar o período de incubação da doença.

 

Confira o esquema terapêutico indicado:

Adultos
Doxiciclina 100 mg de 12 em 12 horas, por via oral ou endovenosa, a depender da gravidade do caso,  o tempo de tratamento padrão é de 7 dias, mas pode ser optado por uma duração que inclua 3 dias adicionais após o término da febre. Sempre que possível a doxiciclina deve ser priorizada.
Cloranfenicol 500 mg de 6 em 6 horas, por via oral,  o tempo de tratamento padrão é de 7 dias, mas pode ser optado por uma duração que inclua 3 dias adicionais após o término da febre.  Em casos graves, recomenda-se 1,0 g (um grama), por via endovenosa, a cada 6 horas, até a recuperação da consciência e melhora do quadro clínico geral, mantendo-se o medicamento por mais de 7 dias, por via oral, na dose de 500 mg, de 6 em 6 horas.
Crianças
Doxiciclina para crianças com peso inferior a 45 kg, a dose recomendada é 2,2 mg/kg de  12 em 12 horas, por via oral ou endovenosa, a depender da gravidade do caso, o tempo de tratamento padrão é de 7 dias, mas pode ser optado por uma duração que inclua 3 dias adicionais após o término da febre.  Sempre que possível seu uso deve ser priorizado.
Cloranfenicol

50 a 100 mg/kg/dia, de 6 em 6 horas, até a recuperação da consciência e melhora do quadro clínico geral, nunca ultrapassando 2,0 g por dia, por via oral ou endovenosa, dependendo das condições do paciente. O tempo de tratamento padrão é de 7 dias, mas pode ser optado por uma duração que inclua 3 dias adicionais após o término da febre.

Disponibilização do cloranfenicol 25mg/mL, suspensão oral para o tratamento da febre maculosa brasileira e outras riquetsioses, como medicamento do componente estratégico do Ministério da Saúde.

Tópicos:
Febre Maculosa
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