28/08/2024 08h00 - Atualizado em 28/08/2024 10h55

O cuidar que vai além da medicina: mães contam história de superação dos filhos com câncer em tratamento no Hospital Infantil de Vitória

Anne Caroline Nascimento Santana, 28 anos, é mãe de Calebe Nascimento Santana, de 4 anos. O filho dela foi diagnosticado com leucemia linfoide aguda tipo B (LLA) e há dois anos faz tratamento no Hospital Estadual Infantil Nossa Senhora da Glória (HINSG), em Vitória. O tratamento é feito no Núcleo de Trabalho em Onco-Hematologia (NT-OH), que funciona anexo ao Hospital da Polícia Militar (HPM), em Bento Ferreira.

“Recebi o diagnóstico do meu filho em 12 de julho de 2022, no dia do seu aniversário de dois anos. Embora, neste momento, a gente muitas vezes acaba pensando que é o fim. Acredite, não é. Creio que Deus sempre tem o melhor para nós e Ele me colocou neste hospital, de ponta, de referência, com excelentes médicos e uma equipe multidisciplinar maravilhosa, onde demos início ao tratamento do Calebe”, conta. 

Anne Caroline Santana explica que o primeiro sintoma do filho foi dor na perna e febre e, assim, ela e o marido foram atrás de um diagnóstico. “Me lembro da minha sogra falando que, na sua época, quando demorava muito para descobrir a causa de uma doença, ela levava os filhos para o Hospital Infantil porque sabia que ali, com certeza, encontraria os melhores profissionais. E fiz exatamente isso. Foram inicialmente 45 dias de internação onde começamos a luta para vencer a doença”, disse. 

Emocionada, a mãe de Calebe conta que ele já não tem mais câncer. “Agradeço demais o suporte da equipe do Hospital Infantil. Porque os médicos, os enfermeiros, os técnicos de enfermagem, os fisioterapeutas, as assistentes sociais, os psicólogos, todos que trabalham aqui diariamente se transformam em nossa família e juntos temos mais chances de obter melhores resultados, pois a gente entende que primeiro é Deus em nossas vidas e segundo são eles que cuidam com muito amor e carinho dos nossos filhos. Eu deixo o meu muito obrigada, pois sem eles o que seria de nós?”, comenta. 

Foi também no HINSG que João Victor Lourenço Souza Sarmento, 12 anos, recebeu tratamento após constatado o diagnóstico de leucemia linfoide aguda tipo B (LLA). Sua mãe, Vânia Lourenço Souza, 45 anos, lembra que ele começou o tratamento no dia 1º de agosto de 2022. 

“Ele ficou um período na UTI, 10 dias, mas os médicos e a equipe sempre me passaram muita segurança. Depois, foram mais 94 dias na enfermaria e me senti muito acolhida por todos que trabalham no hospital. Foram dias extremamente difíceis, longe da família. Posteriormente, fomos para São Paulo realizar o transplante de medula no Hospital Israelista Albert Einstein. Ficamos quatro meses lá, tudo custeado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Após três meses sem a doença, ela reincidiu, voltamos para São Paulo, e agora ele está curado”, disse Vânia Lourenço Souza. 

João Victor, embora curado, ainda precisa dar continuidade ao tratamento no NT-OH/HINSG. “Cuidam muito bem de mim. Fiz muitos amigos durante o tempo que passei aqui. Hoje estou fazendo fisioterapia e estou melhorando, já voltei para a escola, o que está sendo muito legal”, disse ele. 

O depoimento de Anne Caroline e Vânia e seu filho João Victor são apenas três entre as centenas de histórias de superação, cura e sorrisos que envolvem a família de crianças com câncer e doenças hematológicas no HINSG — a unidade completou 91 anos no último dia 15 de agosto. Já o NT-OH/HINSG tem uma trajetória de 38 anos de atuação. 

É um longo processo que envolve um conjunto de ações amplas que compreendem a promoção, a prevenção, o diagnóstico precoce, o tratamento adequado, o acompanhamento, a reabilitação e os cuidados paliativos em uma perspectiva de atendimento humanizado realizado por uma equipe multidisciplinar, capacitada para esse tão importante cuidar, como preconiza o SUS.

* Mais fotos: https://www.flickr.com/photos/188374953@N05/albums/72177720319725761/with/53941733467 

* Vídeo com depoimentos: https://www.youtube.com/watch?v=BHYdb43jvrg

Hospital Dia do NT-OH/HINSG, assistência intermediária entre a hospitalização e o tratamento domiciliar 

Dentro desta engrenagem de cuidado, tão necessária, não só aos pacientes e seus familiares, como também a toda equipe multidisciplinar, desde 1988, o Núcleo de Trabalho em Onco-Hematologia do Hospital Estadual Infantil Nossa Senhora da Glória conta com um Hospital Dia, onde recentemente foi adaptada uma brinquedoteca. 

Trata-se de um serviço de assistência no qual os pacientes podem permanecer durante um período máximo de 12 horas para realizar quimioterapia, medicações de suporte, hemotransfusão, entre outros procedimentos clínicos. O objetivo principal é que os pacientes possam voltar para casa após o tratamento, sem precisar de internação. Para os que residem no interior, existe a opção de permanecer na Casa de Apoio da Associação Capixaba Contra o Câncer Infantil (ACACCI). 

O espaço projetado de forma lúdica contribui para o bem-estar das crianças e adolescentes em tratamento de câncer, para que na hora de ir ao hospital eles entendam que encontrarão um ambiente humanizado, o que torna o tratamento menos traumático, já que podem exercer o brincar, que contribui para o desenvolvimento da sociabilidade e da autoestima neste momento tão delicado que estão vivenciando. 

O subsecretário de Estado de Atenção à Saúde, da Secretaria da Saúde (Sesa), José Tadeu Marino, ressalta que, neste processo, é muito importante integrar e articular as diversas políticas, porque a criança ou o adolescente que tem câncer ou uma doença crônica está vivendo um momento onde tudo começa a girar em torno da doença. Aquele planejamento que existia passa a não fazer mais sentido. 

“Então, nossa missão enquanto profissionais da saúde é fazer tudo o que está ao nosso alcance para facilitar a vida do paciente e da família, contribuindo para diminuir o impacto do diagnóstico, do tratamento, além de proporcionar os meios necessários para o trabalho do cuidador. E isso exige uma abordagem interdisciplinar, além de uma equipe altamente especializada. E nesse processo, a sensibilização da população também é muito importante para entender que não basta apenas ter uma excelente hotelaria hospitalar, o trabalho vai muito, muito além da infraestrutura, embora, obviamente, isso também seja fundamental”, pontua José Tadeu Marino. 

O diretor-geral do HINSG, Clio Zanella Venturim, explica que o Hospital Infantil é referência, entre outras, de toda a oncologia pediátrica do Espírito Santo. “O Governo do Estado tem priorizado diversos investimentos, como aquisições de equipamentos de última geração, além de reformas estruturais importantes que estão sendo feitas de maneira programada, proporcionando uma melhoria gradual para melhor atender crianças e adolescentes com câncer, além de suas famílias”, ressalta.

“Também é importante ressaltar que, em breve, também estaremos inaugurando nosso novo ambulatório na unidade que funciona na Praia do Canto (colina), onde acolheremos melhor as famílias que vêm da Grande Vitória e de todo interior, com maior conforto e um ambiente mais infantil, humanizado e com a essência do brincar”, destaca Venturim. 

“Quando a gente traz o lúdico para dentro do hospital, a criança ou o adolescente pode brincar livremente enquanto realiza o tratamento. O brincar, além de ser necessário para o desenvolvimento global dos pacientes infantojuvenis, é primordial já que proporciona bem-estar e ameniza sintomas como dor, fadiga e estresse”, ressalta a chefe do NT-OH/HINSG, Tânia Bitti. 

Ela destaca ainda que já estão sendo planejados outros recursos terapêuticos para garantir ainda mais conforto e qualidade de vida, além da melhora na performance funcional da criança, do adolescente e da família. “Possibilitar a cada paciente a realização de seu tratamento quimioterápico no Hospital Dia, com tudo o que ele oferece, é mais do que um direito, é pensar em dar a chance de cura, com o menor impacto psicossocial possível e ainda construir memórias positivas de um período tão adverso para essas crianças e adolescentes”, frisa Tânia Bitti.

 

Rede de apoio multidisciplinar 

Em 2024, o NT-OH/HINSG está com 49 novos casos confirmados, 30 seguem em investigação; 689 estão sendo acompanhados e 107 pacientes estão recebendo tratamento quimioterápico. 

Além disso, foram realizados 26.702 atendimentos ambulatoriais; 4.963 quimioterapias administradas; 11 pacientes encaminhados para Transplante de Medula Óssea (TMO) em outras unidades hospitalares do Brasil e, recentemente, uma criança encaminhada para o Hospital Israelista Albert Einstein, em São Paulo, para ser submetida ao tratamento com células Car-T Cell, primeiro procedimento realizado em uma criança no local. 

O Hospital Dia conta com 18 leitos para quimioterapia e transfusão de hemoderivados, atendendo pacientes de 0 a 17 anos. Funciona 12 horas de segunda a sexta-feira, e seis horas nos finais de semana e feriados, com atendimento clínico e ambulatorial. O espaço conta com consultório médico, sala de procedimento, posto de enfermagem, capela de fluxo laminar para manipulação de quimioterápicos, depósitos, copa, vestiários e brinquedoteca. 

Com um setor que contempla ainda o Ambulatório e a Enfermaria de Onco-Hematologia, o Hospital Dia funciona dentro de uma engrenagem que inclui uma grande rede de atenção, tanto interna quanto externa, possibilitando atender às necessidades dos pacientes.

Essa rede alcança desde a disponibilidade de exames específicos para a conclusão diagnóstica e estadiamento da doença, permitindo um diagnóstico mais rápido e preciso; disponibilidade de medicamentos quimioterápicos; pronto-socorro e emergência; equipe médica especializada em oncologia, hematologia clínica, cirurgia, ortopedia, neurocirurgia e genética oncológicas, cirurgia de cabeça e pescoço, psiquiatria; cuidados paliativos pediátrico e apoio psicossocial e pedagógico. 

Além de uma equipe médica, a unidade conta também uma equipe multidisciplinar composta de enfermeiros, assistentes sociais, farmacêuticos, fisioterapeutas, cirurgiões dentistas, nutricionista, fonoaudiólogo, psicólogo, técnicos de enfermagem, apoio administrativo, auxiliares de serviços gerais, recreadores, voluntários, professores dos ensinos Fundamental e Médio, estagiários e residentes do Programa Multiprofissional em Cuidados Paliativos do Instituto Capixaba de Ensino, Pesquisa e Inovação em Saúde (ICEPi). 

Nesse cuidar, estão também as pesquisas clínicas; a participação em estudos multicêntricos para o tratamento das Leucemias Linfoides e Mieloides Agudas na Infância e do Meduloblastoma (tipo de tumor cerebral); a preceptoria de residências em diversas especialidades médicas pediátricas; e as discussões semanais de casos clínicos para alinhamento de conduta. Acontecem também reuniões de oncologistas pediatras com especialistas de grandes centros de tratamento no Brasil e Estados Unidos, onde são discutidos os casos, além de encaminhamentos e reuniões com os Centros de Transplante de Medula Óssea (TMO) em diversas instituições no País. 

Também são realizadas no NT-OH/HINSG conferências familiares, festas temáticas e de aniversário dos pacientes, além de encontro dos familiares, oficinas recreativas no Espaço de Convivência Familiar, que dispõe de Brinquedoteca e Classe Hospitalar, em parceria com a Secretaria da Educação (Sedu), garantindo o acesso ao brincar e a continuidade dos estudos dentro do hospital ou em casa. Inclusive, a unidade já garantiu e foi espaço de diversas aplicações de provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para pacientes hospitalizados ou em tratamento para o câncer e se prepara para mais uma edição neste ano. 

Vale destacar a participação, em conjunto com a ACACCI, na execução do Programa Diagnóstico Precoce, do Instituto Ronald McDonalds (IRM), que visa à capacitação dos profissionais de saúde para a identificação dos sinais e sintomas do câncer infantojuvenil e da sensibilização dos profissionais da Educação quanto à importância do diagnóstico do câncer na infância e o acesso dos pacientes aos Serviços de Transplante de Medula Óssea e Cart-T Cell, realizados em diversas instituições do Brasil.

 

Processos contínuos 

A chefe do NT-OH/HINSG, Tânia Bitti, acrescenta também que o cenário da oncologia sofre mudanças constantes, exigindo a melhoria contínua dos processos de trabalho e a adoção das novas tecnologias, focando sempre nos meios disponíveis, na educação permanente e no cuidado com a equipe para fazer o melhor, tanto aos pacientes quanto às famílias.

Entre tantos exemplos, Tânia Bitti destaca o recém-criado “Café com Cuidado”. A proposta começou com a criação de um espaço de escuta para os cuidadores das crianças e adolescentes, com o objetivo de ofertar um cuidado a quem cuida. Mas acabou chamando a atenção dos profissionais de saúde que atuam na onco-hematologia pediátrica, que também sentiram a necessidade de ter um espaço para falar dos seus sentimentos relacionados ao trabalho complexo com os pacientes que enfrentam o câncer. Uma experiência única, onde as discussões levantadas pelos dois grupos, em determinado momento, começam a se entrelaçar. 

“Por exemplo, a pessoa que atua em um ambiente que é extremamente adverso precisa entender dentro de si qual é o propósito dessa sua missão. Nos dois grupos trabalhamos muito sobre o que é equipe. Às vezes tem um profissional específico atendendo uma criança ou adolescente, e está difícil, por vários motivos, mas tem um outro profissional que não atua exatamente naquele procedimento, e ele pode ajudar de alguma maneira alimentando também aquele cuidado. O ‘Café com Cuidado’ traz isso, essa validação do sentimento do paciente e dos pais. Nem sempre é necessário entender sobre algo para exercer o cuidar. Isso é propósito”, destaca Tânia Bitti. 

Um ambiente como o NT-OH/HINSG faz com que os profissionais e as famílias criem com o tempo uma capa de proteção para que o seu corpo possa dar conta daquela situação. E isso despersonaliza, e a despersonalização é um sofrimento. É necessário, então, criar canais para que a pessoa possa expressar o seu sentimento, pois isso ajuda, e muito, no processo de cura. 

“Às vezes, simples ações, como a que fizemos no Dia do Enfermeiro, quando pedimos às crianças e adolescentes para pintar a capa de uma caderneta para esses profissionais usarem no seu dia a dia, se transformam em um momento único, de empatia, de parceria, de mostrar que estamos todos seguindo no mesmo caminho do cuidar”, enfatiza. 

 


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