“Eu não conseguia enxergar a minha mão perto do meu rosto, eu não conseguia identificar qual era qual dedo, e hoje eu consigo ver longe. Eu consegui me formar no curso de arbitragem que eu tanto tinha vontade de me formar, hoje eu posso tirar a CNH, posso trabalhar sem desespero, hoje eu não preciso enfiar a cara no celular pra ler”. A história do jovem Cleyton José Abílio da Silva, 23 anos, que fez transplante de córneas há um ano, foi um dos testemunhos que marcaram a tradicional cerimônia realizada pela Central Estadual de Transplantes, na tarde desta quarta-feira (28), em homenagem às famílias doadoras de órgãos.

O evento, realizado no auditório do Hospital da Polícia Militar (HPM), em Bento Ferreira, Vitória, teve início com a apresentação da Orquestra do Projeto Arte sem Limites, que emocionou o público presente. Além de uma família que autorizou a doação de órgãos de um ente querido, participaram da cerimônia pessoas transplantadas e pacientes que estão na lista de espera por um órgão, profissionais envolvidos com o processo de transplante e os parceiros da Central Estadual de Transplantes, como os hospitais transplantadores do estado. Pela manhã, foi realizado o Seminário de Comunicação de Más Notícias e Entrevista Familiar, voltado para as equipes das Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTTs).

A coordenadora da Central Estadual de Transplantes, Maria Machado, destacou que estavam presentes ali todos os elos dessa corrente de amor e solidariedade que é o processo de doação de órgãos. Ela informou que, em 2018, 373 transplantes foram realizados no Espírito Santo até o mês de outubro. Mas enfatizou que ainda há muito trabalho a ser feito. “Uma das estratégias para reduzir a recusa familiar é a capacitação de todos nós profissionais. O seminário que realizamos hoje pela manhã foi solicitado nos últimos três anos e, neste ano, conseguimos fazer. Sairemos daqui, hoje, muito diferentes. Nosso trabalho é muito importante e ele não acabou. Neste exato momento, temos 1.088 pacientes que precisam da nossa capacidade técnica e da nossa capacidade humana de fazer com que os órgãos que essas pessoas precisam cheguem até elas”, disse Maria.

Os 373 transplantes que foram realizados de janeiro a outubro de 2018 significam 373 pessoas foram salvas ou tiveram sua qualidade de vida melhorada graças à solidariedade de famílias que perderam entes queridos e, mesmo tomadas pela dor, autorizaram a doação de órgãos. Entre essas famílias está a do casal Danielly e Raylan, que perdeu a filha no início do ano. A menina morreu com 3 anos de idade, alguns dias depois de ter sido atropelada. A saudade certamente aperta o coração da mãe, mas ela está certa de que doar os órgãos da filha foi a melhor decisão que ela tomou.

“No dia, eu estava bem abalada. Eu mal conseguia escrever meu nome no papel. Meu esposo chegou, conversou comigo, porque ele passou os dias com ela no hospital. Ele viu outras crianças sofrendo também, precisando de ajuda. Com certeza, acho que foi a melhor decisão que eu tomei”, diz Danielly. 

O gerente de Regulação da Atenção à Saúde, Claudiano Tiburcio, parabenizou a equipe pelo trabalho. “Sabemos da complexidade do processo de doação de órgãos e de todo o esforço que essa equipe faz para melhorar a qualidade de vida de nossa população por meio da captação de órgãos e da realização de transplantes. Por isso, em nome da Secretaria de Estado da Saúde, eu agradeço a presença de todos e parabenizo a equipe por este momento de celebração”, disse Tiburcio.

Dados

Dos 373 transplantes realizados no Espírito Santo entre janeiro e outubro de 2018, 229 foram transplantes de córnea, 60 de rim, 23 de fígado, 9 de coração, 1 transplante duplo de rim e fígado, 21 transplantes de esclera e 30 transplantes de medula óssea autólogo. O número total de transplantes realizados nesse período é 13,05% menor do que o registrado no mesmo período de 2017, quando foram feitos 429 transplantes no estado.

De janeiro a outubro de 2017, foram notificados 186 casos de morte encefálica à Central Estadual de Transplantes pela rede hospitalar. Já em 2018, foram notificados 131 casos. Percebe-se, portanto, que houve menos notificação de morte encefálica, que é a principal condição para a doação de órgãos (exceto no caso de córneas, que também podem ser doadas quando o paciente morre por parada cardiorrespiratória). Por outro lado, houve também redução da recusa familiar, que caiu de 61% entre janeiro e outubro de 2017 para 31% no mesmo período de 2018, demonstrando que, mesmo num universo menor de doadores elegíveis, o percentual de doadores efetivos foi maior. 

Apesar da diminuição da recusa familiar, ainda é preciso melhorar. A Central Estadual de Transplantes trabalha para reduzir a recusa familiar para menos de 20%, conforme recomenda a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO).

Seminário

Uma das estratégias para reduzir a recusa familiar é a capacitação das Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTTs). Por isso, nesta quarta-feira (28) pela manhã, a Central de Transplantes promoveu um seminário sobre comunicação de más notícias e entrevista familiar para essas equipes, pois são elas que organizam o processo de doação de órgãos dentro dos hospitais e são responsáveis por fazer a entrevista com a família para autorização da doação de órgãos.

A coordenadora do Banco de Olhos do Ceará (BOC) e enfermeira da CIHDOTT do Instituto Doutor José Frota (IJF), Lisiane Paiva Alencar, ministrou palestras sobre a importância do acolhimento da família, comunicação de má notícia e entrevista familiar para doação de órgãos. Lisiane é mestre em Transplantes pela Universidade Estadual do Ceará (UEC) e especialista em Urgência e Emergência pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

Lista de espera (atualizada em 27/11/2018)

Coração: 6

Fígado: 43

Córnea: 119

Rim: 920           

Total: 1.088

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