23/04/2012 08h30 - Atualizado em
23/09/2015 13h33
Pacientes moradores do antigo Adauto Botelho ganham vida nova em residências terapêuticas inauguradas pela Sesa
As longas internações psiquiátricas no antigo Hospital Estadual Adauto Botelho, que geravam isolamento e perda das referências familiares e sociais, já fazem parte do passado. Os últimos pacientes moradores da unidade – homens e mulheres que viveram no local por períodos que chegaram a até três décadas - foram transferidos este mês para dez novas residências terapêuticas, onde serão reintegrados à comunidade e terão resgatada sua cidadania.
Implantadas pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), as casas destinadas às pessoas com transtornos mentais irão substituir a internação psiquiátrica prolongada, modelo de tratamento ultrapassado, baseado no isolamento e com internações que podiam durar uma vida inteira. No modelo atual, os pacientes são internados apenas por curtos períodos, durante o momento de crise, e recebem acompanhamento de serviços como Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).
Nas novas casas, os pacientes são acompanhados por cuidadores – dois durante o dia e um à noite – e supervisionados por uma equipe especializada em saúde mental. Eles terão a oportunidade de ampliar sua inserção social, conquistando autonomia para as atividades domésticas e pessoais, como escovar os dentes, comer a refeição em uma mesa, organizar as roupas em um armário próprio, ir à feira, à igreja ou andar de ônibus.
Para que o projeto se tornasse realidade, a Sesa contratou, por meio de licitação, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), que será responsável pela administração de 15 residências (cinco já existiam), localizadas em Cariacica, Serra, Vitória e Vila Velha, contemplando 120 residentes. A parceria com uma organização não-governamental está prevista em portaria do Ministério da Saúde, que instituiu as Residências Terapêuticas.
O investimento anual do Governo do Estado neste projeto será de R$ 2,7 milhões, incluindo o aluguel das casas, compra de mobiliário e eletrodomésticos, transporte e salário de funcionários. A Oscip contratada pela Sesa montou um verdadeiro time para administrar as residências, com 90 cuidadores e equipe técnica formada por um psicólogo, um assistente social, um enfermeiro, um nutricionista e cinco técnicos de enfermagem.
As dez novas residências terão de seis a oito moradores. Com a mudança, não haverá mais moradores no hospital, somente pacientes psiquiátricos em tratamento de curta permanência. As enfermarias desocupadas na unidade terão outra destinação. A expectativa da Sesa é criar leitos para pacientes dependentes de álcool e drogas. Futuramente, a intenção é transformar o Hospital Estadual de Atenção Clínica (Heac), novo nome do Adauto Botelho, em um grande hospital clínico.
O novo modelo de atenção psiquiátrica foi adotado no país a partir de 1999, quando o Ministério da Saúde determinou que houvesse uma gradativa desospitalização dos hospitais psiquiátricos. No Estado, as cinco primeiras residências surgiram em 2004. Segundo a assistente social do Heac, Léa Maria Cardoso Merriele, durante os últimos anos, a equipe do hospital realizou um trabalho de localização e sensibilização das famílias para que os pacientes pudessem retornar para suas casas.
“Muitos destes pacientes foram abandonados pela família por causa da doença, outros perderam contato com seus entes, que mudaram de endereço, ou mesmo não possuíam uma estrutura em casa adequada para seu acompanhamento”, explica Léa.
A equipe do hospital realizou ainda uma pesquisa sobre as origens destes pacientes e busca de sua documentação nos cartórios do Estado. Muitos deles conseguiram reaver seus documentos e, outros, conseguiram efetuar um novo registro civil por meio do juizado de pequenas causas.
Ressocialização
A coordenadora das Residências Terapêuticas, Maria Jorgete Barroso Veloso, ressalta que a principal função das casas, além da “desospitalização” é a de ressocialização dos pacientes e resgate da sua cidadania. Isso porque, além do transtorno mental e histórico de abandono, eles tiveram perdas no trato social, devido ao isolamento a que foram submetidos.
“A maior parte da regressão psicológica e social destes pacientes se agravou mais ainda devido a este isolamento. Por anos e anos eles viveram em um mesmo local, sem saber o que acontecia no mundo lá fora. Agora, o objetivo é resgatar esses laços e fazê-los avançar em termos de autonomia”, destacou Jorgete.
O preparo dos pacientes para o “mundo lá fora” foi iniciado ainda no hospital e intensificado nos últimos dois anos com a transformação da enfermaria em local mais parecido como uma residência. Como parte deste processo, foram inseridos na rotina alguns hábitos da vida diária, como arrumar a própria cama, lavar as roupas íntimas e fazer a refeição à mesa. Eles passaram ainda a sair da unidade para passeios externos, andar de ônibus e fazer compras no comércio.
Foi implantada também uma oficina de geração de renda, com aproveitamento de papelão e sucatas do hospital, e venda das produções no bazar da instituição. Recentemente, o tema da mudança para as residências foi ainda trabalhado nas oficinas terapêuticas, com até mesmo uma música sendo criada para aliviar a ansiedade antes que as transferências fossem feitas.
Mudanças
Durante o período das mudanças, realizado entre os dias 4 e 17 de abril, um misto de empolgação, ansiedade, preocupação e insegurança puderam ser observados nos pacientes.
Um deles, Robson José da Silva, 43, conhecido como “Tralalá” devido ao seu fascínio pelo rádio, não conseguia conter sua ansiedade com a saída do hospital onde passou os últimos 10 anos de sua vida. Levado pela mãe ao hospital em uma de suas crises, acabou ficando além do programado e nunca mais teve contato com a família.
Seu companheiro de residência, Osvaldo da Silva Rodrigues, 44, o “Índio”, nasceu numa aldeia em Aracruz, de onde saiu ainda pequeno com a mãe para morar em Nova Almeida. Depois do falecimento dela, acabou sendo levado ao hospital e internado por mais de uma década.
Os dois amigos deixaram juntos o hospital com sua pequena bagagem, com roupas novas presenteadas pelo hospital e poucos pertences pessoais, como o inseparável rádio de Tralalá. Eles passaram a dividir um quarto de uma ampla residência na Serra, com direito a móveis cheirando a novo.
Outro ex-interno, Reginaldo Ferreira da Costa, 44, morou durante 20 anos no hospital e se despediu na última semana dos funcionários para morar numa casa em Vila Velha.
Com tantas despedidas, muitos não conseguiram conter a emoção. A auxiliar de enfermagem Vera Lúcia Oliveira Marques, há 13 anos atuando no hospital, sempre gostou de trabalhar cuidando dos “meninos”, como ela chama os pacientes masculinos, mas disse se sentir muito feliz em vê-los mudando para uma vida melhor.
O mesmo sentimento é o do auxiliar de enfermagem Edson Fidelis, que atua há 35 anos no hospital e considera alguns pacientes como se fossem filhos. “Ficamos sentidos, pois acostumamos a lidar com eles, mas ao mesmo tempo alegres, em saber que eles voltarão a viver”, ressalta.
Segundo Jorgete, a experiência com as primeiras residências mostrou que o projeto trouxe realmente nova vida aos pacientes, com alguns atingindo um grau de autonomia tão surpreendente, que chegaram a sair da casa e morar sozinhos ou constituir uma família.
O que é o Serviço Residencial Terapêutico?
O Serviço Residencial Terapêutico (SRT) – também chamado de residência terapêutica ou simplesmente "moradia" – são casas localizadas no espaço urbano, constituídas para responder às necessidades de moradia de pessoas portadoras de transtornos mentais graves, institucionalizadas ou não.
O número de usuários pode variar desde um indivíduo até um pequeno grupo de no máximo oito pessoas, que deverão contar sempre com suporte profissional sensível às demandas e necessidades de cada um.
Informações à Imprensa:
Assessoria de Comunicação da Sesa
Alessandra Fornazier/ Anny Giacomin/Jucilene Borges/Marcos Bonn
Texto: Alessandra Fornazier
Tels.: 3137-2378 / 3137-2307/ 9983-3246/9969-8271/ 9943-2776
asscom@saude.es.gov.br
Implantadas pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), as casas destinadas às pessoas com transtornos mentais irão substituir a internação psiquiátrica prolongada, modelo de tratamento ultrapassado, baseado no isolamento e com internações que podiam durar uma vida inteira. No modelo atual, os pacientes são internados apenas por curtos períodos, durante o momento de crise, e recebem acompanhamento de serviços como Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).
Nas novas casas, os pacientes são acompanhados por cuidadores – dois durante o dia e um à noite – e supervisionados por uma equipe especializada em saúde mental. Eles terão a oportunidade de ampliar sua inserção social, conquistando autonomia para as atividades domésticas e pessoais, como escovar os dentes, comer a refeição em uma mesa, organizar as roupas em um armário próprio, ir à feira, à igreja ou andar de ônibus.
Para que o projeto se tornasse realidade, a Sesa contratou, por meio de licitação, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), que será responsável pela administração de 15 residências (cinco já existiam), localizadas em Cariacica, Serra, Vitória e Vila Velha, contemplando 120 residentes. A parceria com uma organização não-governamental está prevista em portaria do Ministério da Saúde, que instituiu as Residências Terapêuticas.
O investimento anual do Governo do Estado neste projeto será de R$ 2,7 milhões, incluindo o aluguel das casas, compra de mobiliário e eletrodomésticos, transporte e salário de funcionários. A Oscip contratada pela Sesa montou um verdadeiro time para administrar as residências, com 90 cuidadores e equipe técnica formada por um psicólogo, um assistente social, um enfermeiro, um nutricionista e cinco técnicos de enfermagem.
As dez novas residências terão de seis a oito moradores. Com a mudança, não haverá mais moradores no hospital, somente pacientes psiquiátricos em tratamento de curta permanência. As enfermarias desocupadas na unidade terão outra destinação. A expectativa da Sesa é criar leitos para pacientes dependentes de álcool e drogas. Futuramente, a intenção é transformar o Hospital Estadual de Atenção Clínica (Heac), novo nome do Adauto Botelho, em um grande hospital clínico.
O novo modelo de atenção psiquiátrica foi adotado no país a partir de 1999, quando o Ministério da Saúde determinou que houvesse uma gradativa desospitalização dos hospitais psiquiátricos. No Estado, as cinco primeiras residências surgiram em 2004. Segundo a assistente social do Heac, Léa Maria Cardoso Merriele, durante os últimos anos, a equipe do hospital realizou um trabalho de localização e sensibilização das famílias para que os pacientes pudessem retornar para suas casas.
“Muitos destes pacientes foram abandonados pela família por causa da doença, outros perderam contato com seus entes, que mudaram de endereço, ou mesmo não possuíam uma estrutura em casa adequada para seu acompanhamento”, explica Léa.
A equipe do hospital realizou ainda uma pesquisa sobre as origens destes pacientes e busca de sua documentação nos cartórios do Estado. Muitos deles conseguiram reaver seus documentos e, outros, conseguiram efetuar um novo registro civil por meio do juizado de pequenas causas.
Ressocialização
A coordenadora das Residências Terapêuticas, Maria Jorgete Barroso Veloso, ressalta que a principal função das casas, além da “desospitalização” é a de ressocialização dos pacientes e resgate da sua cidadania. Isso porque, além do transtorno mental e histórico de abandono, eles tiveram perdas no trato social, devido ao isolamento a que foram submetidos.
“A maior parte da regressão psicológica e social destes pacientes se agravou mais ainda devido a este isolamento. Por anos e anos eles viveram em um mesmo local, sem saber o que acontecia no mundo lá fora. Agora, o objetivo é resgatar esses laços e fazê-los avançar em termos de autonomia”, destacou Jorgete.
O preparo dos pacientes para o “mundo lá fora” foi iniciado ainda no hospital e intensificado nos últimos dois anos com a transformação da enfermaria em local mais parecido como uma residência. Como parte deste processo, foram inseridos na rotina alguns hábitos da vida diária, como arrumar a própria cama, lavar as roupas íntimas e fazer a refeição à mesa. Eles passaram ainda a sair da unidade para passeios externos, andar de ônibus e fazer compras no comércio.
Foi implantada também uma oficina de geração de renda, com aproveitamento de papelão e sucatas do hospital, e venda das produções no bazar da instituição. Recentemente, o tema da mudança para as residências foi ainda trabalhado nas oficinas terapêuticas, com até mesmo uma música sendo criada para aliviar a ansiedade antes que as transferências fossem feitas.
Mudanças
Durante o período das mudanças, realizado entre os dias 4 e 17 de abril, um misto de empolgação, ansiedade, preocupação e insegurança puderam ser observados nos pacientes.
Um deles, Robson José da Silva, 43, conhecido como “Tralalá” devido ao seu fascínio pelo rádio, não conseguia conter sua ansiedade com a saída do hospital onde passou os últimos 10 anos de sua vida. Levado pela mãe ao hospital em uma de suas crises, acabou ficando além do programado e nunca mais teve contato com a família.
Seu companheiro de residência, Osvaldo da Silva Rodrigues, 44, o “Índio”, nasceu numa aldeia em Aracruz, de onde saiu ainda pequeno com a mãe para morar em Nova Almeida. Depois do falecimento dela, acabou sendo levado ao hospital e internado por mais de uma década.
Os dois amigos deixaram juntos o hospital com sua pequena bagagem, com roupas novas presenteadas pelo hospital e poucos pertences pessoais, como o inseparável rádio de Tralalá. Eles passaram a dividir um quarto de uma ampla residência na Serra, com direito a móveis cheirando a novo.
Outro ex-interno, Reginaldo Ferreira da Costa, 44, morou durante 20 anos no hospital e se despediu na última semana dos funcionários para morar numa casa em Vila Velha.
Com tantas despedidas, muitos não conseguiram conter a emoção. A auxiliar de enfermagem Vera Lúcia Oliveira Marques, há 13 anos atuando no hospital, sempre gostou de trabalhar cuidando dos “meninos”, como ela chama os pacientes masculinos, mas disse se sentir muito feliz em vê-los mudando para uma vida melhor.
O mesmo sentimento é o do auxiliar de enfermagem Edson Fidelis, que atua há 35 anos no hospital e considera alguns pacientes como se fossem filhos. “Ficamos sentidos, pois acostumamos a lidar com eles, mas ao mesmo tempo alegres, em saber que eles voltarão a viver”, ressalta.
Segundo Jorgete, a experiência com as primeiras residências mostrou que o projeto trouxe realmente nova vida aos pacientes, com alguns atingindo um grau de autonomia tão surpreendente, que chegaram a sair da casa e morar sozinhos ou constituir uma família.
O que é o Serviço Residencial Terapêutico?
O Serviço Residencial Terapêutico (SRT) – também chamado de residência terapêutica ou simplesmente "moradia" – são casas localizadas no espaço urbano, constituídas para responder às necessidades de moradia de pessoas portadoras de transtornos mentais graves, institucionalizadas ou não.
O número de usuários pode variar desde um indivíduo até um pequeno grupo de no máximo oito pessoas, que deverão contar sempre com suporte profissional sensível às demandas e necessidades de cada um.
Informações à Imprensa:
Assessoria de Comunicação da Sesa
Alessandra Fornazier/ Anny Giacomin/Jucilene Borges/Marcos Bonn
Texto: Alessandra Fornazier
Tels.: 3137-2378 / 3137-2307/ 9983-3246/9969-8271/ 9943-2776
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